REFLEXÕES SOBRE A RAZÃO DIVINA

E Moisés, descendo da montanha, encontrou o seu povo adorando falsos ídolos, e num gesto de fúria atirou-lhes com as Tábuas da Lei.


Deus, cuja face se não conhece nem adivinha, nem sequer se sabe se a tem, se é espírito, energia ou imatéria, tem vindo a presidir aos destinos deste nosso planeta desde que o fez nascer.


Não se sabe igualmente o seu nome, inominável que é, origem de tudo e, mesmo assim, sem nome que o não disse nem a Moisés, nem a Elias, nem a Buda ou a Maomé, a ninguém o disse, porque Omnipotente, Omnipresente, Eterno e infinitamente Humilde.


Nós que vivemos nesta Cidade que dizem ter o seu Santo Nome, ainda que inominado, desconhecemos-lhe a imaterialidade, sabemos-lhe apenas o conceito e o propósito de olhar os homens que fez, não à sua imagem que a não tem, mas à das imperfeições nascidas da maçã proibida, de raças e culturas várias e pelo mundo espalhadas.


Deu Deus aos homens um rosto com nome de face, para que se mirassem uns aos outros, encontrando no outro o reflexo de si mesmos. Quis porém o destino, que em vez de se mirarem, procurassem os homens salvaguardar o seu fácies, máscara por uns usada para a outros ludibriar à conta dos usos e costumes, contrariando o que havia sido ordenado: cada homem tratando o outro por igual, segundo a sua cultura, os seus valores e a sua côr, sem deferências outras que não as que receberia em troca. Deus assim quis que fosse em igualdade, porque previdente, saberia que se um homem se concedesse a outro, menorizá-lo-ia e, simultâneamente fragilizaria o homem condescendente.


Dizem ter sido neste mistério da deferência do rosto e do fácies que reside a origem da Babel que as Escrituras aludem como torre, origem de todos os desencontros.


Saúl, David e Salomão tiveram a graça de Jeová. Porém, humanos, cedendo finalmente aos encantos do que podiam, decaíram das graças de Javé, e isolados se esvaíram, à vez, das páginas do Testamento Antigo, tal como Herodes, Anás, Caifás e Pôncio, que para mais era Pilatos.


Todos os profetas testemunharam a palavra do Senhor, cujo nome, por ser inominável, se não pode em vão invocar, até porque a suprema glória de Deus, é não existir na sua infinita modéstia, como que dizendo que a sua Existência está para além da compreensão do homem. Não ouse o homem entender além do que pode.


Deu assim Deus ao homem a ideia de Amor e Paz, e logo Caim matou Abel. Estava ironicamente escrito que assim seria a provação dos homens, estendida ao infinito dos tempos.


Pergunto-me o que fará Deus, na solidão do Universo, em tudo e todos mandando, falando apenas com arcanjos, anjos e querubins. Como será essa Existência tão solitária? Respondeu-me o sonho do sono, e nele encontrei a resposta da pura energia da criação, chamada Universo, e do seu enorme silêncio gritante, povoado de estrelas, planetas, luas e biliões de sóis e buracos negros, não fosse ao Yang não ser dado o Yin, e assim se cumprir o entendimento da noite sucedendo ao dia, o frio ao calor, o pesado ao leve.


Deus existe de facto, quer queiram ou não, agnósticos ou ateus.


Não vi a materialidade de Deus, percebi-lhe porém a sua suprema Ordem, não vi arcanjos, nem anjos ou querubins, contudo passei os confins do perímetro de translação de Plutão e perante o indescritível me curvo entre a angústia e a plena estupefacção humana. Ousei julgar perceber todos os princípios, da grande mecânica, da infinitude e da finitude, do nascimento ao passamento. E despertando, sonhando que tinha sonhado que os nomes todos que a Deus deram, de Alá a Jeová a Kami até Manitu, não mais eram que a infinita pequenez humana, o que me levou a olhar para onde nasce sempre o sol, e encontrar desse lado, a explicação que a minha razão humana poderia ousar aspirar.


Peguei na minha velha bíblia e abrindo-a, olhei o novo testamento. Estranhei não encontrar as marcas que lá existiam, cuidadosamente coladas por mim há décadas. De súbito surgiu nas páginas o alto de uma montanha e o diabo, e levando este a Jesus pela ponta do manto, mostrou-lhe do alto todas as riquezas do mundo dizendo: tudo isto será teu se me adorares... ao que Jesus de Nazaré respondeu não tentarás o Senhor teu Deus que a ti te criou para que fosses a face oculta da outra exposta. Satanás enraivecido fez então com que uma vara de porcos enlouquecesse e todos se precipitassem no abismo. Jesus de Nazaré ripostou-lhe jamais te será permitido lançares os homens para o abismo. Por muita força que faças dar-lhes-ei a clarividência para saberem discernir.


E por muito tempo me fiquei a reflectir sobre os desígnios de Deus, da sua Criação, e da sua Geometria, tão diferente da nossa, mistérios insondáveis que não cabe ao homem perceber, muito menos interpretar.


Buda, por seu lado, permanece indiferente às aparências deste mundo de ilusões, flutuando no Nirvana aonde ascendeu, enquanto Maithreya aguarda a sua vez e os monges continuam a busca do vazio e a recitar sutras, contas de um rosário infinito.


E sobre tudo isto paira um aroma entre o incenso e a mirra, e o som de trombetas anunciando uma finitude ou, talvez, apenas o início.


E dos anjos se não falou, porque não apareceram, talvez para que sobre o seu sexo se não falasse. 

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