DO ANTES AO DEPOIS

 Um erro nunca se justifica com outro.


É elementar desejo de todos os cidadãos que a Transição de Macau se faça com a tranquilidade possível. Por agora é da responsabilidade da Administração Portuguesa.


É sinónimo de Sabedoria a percepção de que, aos erros de décadas, acumulados pela ausência de interesse de Portugal acrescido ao desconhecimento que sempre grassou no Extremo Ocidental da Europa, se perceba que se não pode contrapôr, às feridas e ressentimentos criados, uma reacção outra que não construtiva.


Isto é, que ao Yin se não pode adicionar mais Yin. Apenas o Yang. Porque cada ciclo que termina deve dar ao colectivo um novo ciclo melhor, mais justo e equilibrado.


O ressentimento não é construtivo, venha de onde vier. Muito menos é sábio ou inteligente, tanto quanto o maniqueísmo, invocado em nome do que quer que seja.


Importaria saber concretamente o que se vai passar em Macau depois da transferência de soberania. Existe para com os cidadãos esse dever e essa responsabilidade.


Hoje, como há 50 anos, ou há cem ou duzentos, não importa quantos séculos, o mundo Ocidental, com todos os seus defeitos e qualidades, desencadeou um processo irreversível de conhecimento e de desenvolvimento tecnológico que não pode ser ignorado. O próprio derrube da dinastia manchu dos Qing se deveu à Ocidentalização de homens como Sun Yat Seng, que foram suficientemente clarividentes para perceber a necessidade da mudança para um maior equilíbrio de forças e decorrente modernização do seu país.


Zhou En-lai e Deng Xiao Ping estudaram em França e o Marxismo-Leninismo que veio dar à China o seu lugar no mundo, veio do Ocidente. Contudo, não sendo defensor de que a democracia, no sentido Ocidental do termo, tenha de ser uma forma imperialista de pensamento, entendo que todos os lugares onde, na China, possam subsistir focos de outras culturas, devem estes ser cuidadosamente preservados como centros de conhecimento e organização social e cívica.


Não é pois na hostilização xenófoba de certos sectores, que nunca fizeram o percurso de Zhou ou de Deng, que se encontra a resposta para o que subsiste de errado no presente.


Porque, como já se disse, não é na repetição de um erro que se resgata uma sociedade, hoje ainda marcada por exclusões. A exclusão não pode ter lugar, nem agora nem depois.


Não é assim, através do fundamentalismo ressentido, da má interpretação do patriotismo, que se encontram as fórmulas para o respeito e cumprimento de uma Declaração Conjunta. Há aliás, um velho ditado chinês que diz que o sapo que está no fundo do seu poço, apenas vê um círculo de céu, querendo significar com isto que escassos são os horizontes daqueles que outras experiências vivenciais não tiveram senão o fundo do poço. Ou, como se dirá em português: falta de mundo.


Sendo enorme a sabedoria chinesa, terão alguns sectores mais radicais que entender a necessidade de moderação, porque, em todas as nações, em todos os tempos e lugares, houve sempre gente mais papista que o Papa. Mas diria que, mais que moderação, haverá a necessidade de entender Macau como um local histórico, de permutas, lugar verdadeiramente único em toda a enorme China, já que a História se não apaga, antes pelo contrário, se deve potenciar.


Num momento de surto modernizador é importante a incorporação de todos os polos de informação de que a China venha a dispôr, porque defendo como sempre defendi, que a cultura é fundamental para o desenvolvimento, no conceito único que o termo pode ter: desenvolvimento integrado.


Ora hoje em dia, a integração é o convívio entre a cultura específica e a cultura global. Platão e Confúcio deveriam ser igualmente conhecidos em conjunto, tanto quanto Qian Long e Luís XIV, Lin Liang e Leonardo, Sun Tzu e Maquiavel, o Tao Te Qing e a Bíblia, o Corão, e os Sutras.


Todo o entendimento do mundo de hoje resulta inequívocamente de um trânsito de conhecimentos que levam a um melhor entendimento do mesmo e, consequentemente, a uma maior tolerância e visão.


Efectivamente é de todo legível a visão de Deng Xiao Ping ao criar a fórmula Um País Dois Sistemas. Deng sabia que a China precisa de se modernizar, sabia que a Educação é fundamental para o acesso ao desenvolvimento já referido. E essa modernização implicava o retorno à Mãe-Pátria de Cidades-Estado como Hong Kong e Macau, portadoras, cada uma, de culturas específicas que iriam ajudar a China a aceder mais rapidamente à cultura global. De um lado, a cultura Anglo-Saxónica. Do outro, a cultura Latina, por via portuguesa. Pérolas que não devem ser deglutidas, antes preservadas em nome do vasto património étnico e cultural da China e da Humanidade.


Assim, porque não se (re)lê Confúcio ou Platão? Ajudaria certamente muito a atenuar certos conceitos deturpados de patriotismo – até porque nenhum povo detém o monopólio do mesmo – ou de fundamentalismos destituídos de razoabilidade.


A Declaração Conjunta entre a República Popular da China e a República Portuguesa foi assinada. Ao sê-lo, estava implícito - em meu modesto entender – que as partes tinham pleno conhecimento e acordo sobre o conteúdo e espírito da mesma. Portanto é com alguma perplexidade que vejo hoje emergirem interpretações díspares. Haverá que prevalecer, em vez do fundamentalismo ou do ressentimento, a abertura de espírito, à semelhança de Deng, que não consta ter alguma vez sido anti-patriota. O que haverá também é que perceber a essência do conceito de patriotismo.


Espera-se pois que ao Yin se encontre no Yang a indispensável força para o reequilíbrio. Até porque existe um ditado português que não deveria ocorrer, e que sem dúvida tem no manancial de provérbios e ditados chineses o seu correspondente: Atrás de mim virá quem bom de mim fará.


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