EQUIDISTÂNCIA

Ao político, como ao negociador, não é aconselhável que se vista de impermeável tratado contra as nódoas, nem que estabeleça distâncias irreconciliáveis. Sabe-o Monsieur de la Palisse e também quem reflecte um pouco.


A postura Portuguesa, também em Macau, entre o que se faz e diz e o que se tem de negociar a outro nível, deveria ser - por razões de interesse nacional e do mais elementar interesse de Macau – uníssonas.


Para mal, já basta a debandada a que se assiste, espécie de demonstração de desconfiança quanto ao acordo assinado pelos dois Estados em causa.


Por outro lado, não é de espantar o conceito de localização. Já há muitos anos se contava a história daquele jovem que, em plena tomada de posse dada por um equiparado a Director de Serviços, ouviu o empossado, em silêncio, que embora fosse suficientemente verde para ocupar o cargo, era suficientemente amarelo ser nele provido, o que, neste pequeno incidente vem confirmar a existência de uma mentalidade colonial e absentista, porquanto nunca a equidistância de oportunidades foi igual.


O próprio termo localização, que tem vindo a ser apregoado como sucesso em vez de processo natural e de facto irreversível, continua a ver ao nível dos directores de serviço um bloqueio que se estima se prolongue até às últimas, provocando natural animosidade à população que compõe significativa parte da Função Pública de hoje.


Dir-se-ia que se procura estimular uma animosidade mascarada de um certo paternalismo, configurada numa concessão, cada vez que um local, de etnia chinesa é, tantas vezes impreparado, colocado em cargos de chefia. Afinal a sua impreparação decorre tão só da exclusão que durante décadas sofreu.


Claro que quem decide estará sempre fora do alcance das naturais reacções da borrasca que aqui plantou. Mas nem por isso deixa de ser responsável pela desertificação que vem declaradamente destituír Macau dos elementos indispensáveis à existência de uma comunidade étnica e culturalmente diversificada, enfraquecendo e ajudando a esvaziar de conteúdo o tão amplamente divulgado espírito da Declaração Conjunta, que de tanto ser chamada à luz da mesma, se arrisca a ficar às escuras.


Como se isso não bastasse, é de todo perceptível a reacção chinesa aos subsídios de integração concedidos aos que menos precisam. Para mim, penso que não condiz a bota com a perdigota.


Vejamos, num termo de posse formal no Palácio de Belém, qualquer governante jura cumprir com dedicação, lealdade e mais o restante rol de virtudes, as funções de que é investido. Assim sendo, a Administração de Macau, cujo principal responsável foi submetido a idêntica cerimónia, cumpre apenas um dever cívico e político que aceitou, o que não é razão bastante para lhe ser oferecida uma espórtula, sobretudo retroactiva.


Todas estas questões têm uma equidistância demasiado relativa para serem convincentes e muito menos, populares, sobretudo no período de negociações que atravessamos onde as medidas deveriam suscitar o menor índice possível de polémica.

Esta semana viu também a parte chinesa do Grupo de Ligação informar que as forças do Exército Popular de Libertação viriam estabelecer-se no Território. Diria também que não espanta. Corre à boca pequena por Macau que o contingente de militares, quer no activo quer na reserva é tão numeroso em posições civis, que se andassem todos fardados Macau seria um grande quartel.


Ora já aqui se escreveu por duas vezes sucessivas, da impercepção do Poder máximo para entender a sociedade de Macau como carente de directrizes que reforcem com inventividade a sua Matriz única. Logo, não espanta que se tenha construído um círculo de especialistas, nomeadamente em derrapagens, e previsões sócio-políticas, todos vindos de origens próximas, a pedir retribuição idêntica.


É que Macau não se vê dos Gabinetes nem se decreta. Macau existe independentemente de despachos e decretos dos mais absurdos, como o célebre despacho cem dos monumentos que gerou naturalmente grande desagrado junto da parte chinesa e não só. É que o acto cultural verdadeiro não se decreta, nem se calendariza. Apenas se apoia a dinâmica da sociedade. Macau tem os seus artistas. Mas foi preciso importá-los. Macau tem os seus calígrafos e pintores chineses, esses exportam-se para escrever nomes de pessoas que agradecem o exotismo, como se uma cultura com 5 mil anos de vida contínua e uma população que constitui um quinto da humanidade fosse passível de ser considerada exótica. Mas compreende-se, é mais fácil, e além disso quase toda a intelligentzia de Macau, que ousou discordar, foi banida.


Entretanto, começam a aparecer os primeiros números da factura. Não serão estes os únicos. É dramático que assim seja, além de que ficará sempre a memória do distanciamento, da falta de diálogo senão com uns quantos eleitos por motivos desconhecidos. A cidadania plena não existe de facto em Macau. Por isso, de certo modo existe esta modesta página, albergada num jornal pouco simpático para uns quantos.

E, como de costume, quem sofre é quem menos preparos tem…


Estranha forma de encarar a equidistância desejável. Mas cada um tem a sua medida. E por ela se mostra.


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