IMPÉRIO HUMANISTA

Lourenço de Médici O Magnífico (nascido em Florença em 1449) Senhor de Florença e Patrono das Artes, governou a República de Florença com seu irmão Giuliano. Morreu aos 43 anos no dealbar da "idade das explorações", seis meses antes de Colombo chegar ao Novo Mundo. Chocada e tocada pela sua morte, toda a população de Florença acompanha expontâneamente o funeral do seu condottieri.


Enquanto caem sobre a Itália e o resto da Europa os últimos grãos de areia da clepsidra medieva, sucedendo à noite obscurante os primeiros raios de uma nova civilização feita de novas ideias e conceitos onde o Homem, na sua plenitude, prevalece, não será pois descabido citar algumas passagens da famosa carta de Lourenço de Médici ao Cardeal Giovanni, seu filho, e futuro Papa Leão X.

Tu, e todos nós que nos preocupamos com o teu bem-estar, devemos estimar-nos altamente favorecidos pela Providência, não só pelas muitas honrarias e benefícios concedidos à nossa Casa, mas sobretudo pela máxima dignidade a nós jamais conferida, por intermédio da tua pessoa. Esta benesse, em si tão importante, mais se torna ainda pelas especiais circunstâncias que a acompanha, e especialmente pela tua juventude e pela nossa posição no mundo. A primeira coisa que te devo sugerir é a tua gratidão para com Deus, e teres permanentemente em conta que não foi pela tua solicitude, prudência ou méritos que este acontecimento teve lugar, antes através do seu favor, que apenas podes retribuír através de uma vida pia, casta e exemplar; e que a obrigação de cumprires tais preceitos são tanto maiores quanto os teus primeiros anos produziram expectativas na idade da tua florescência(...)

Sei bem que agora que irás residir em Roma, o poço de toda a iniquidade, a dificuldade de te conduzires por estas admoestações será maior. A influência do exemplo é prevalecente; contudo irás conhecer aqueles que te quererão corromper e incitar-te ao vício. A tua antecipada elevação a tão grande dignidade fará com que pensem que a tua juventude te tornará presa fácil para te lançarem na abominaçào onde chafurdam, induzindo-te a esqueceres a estima do povo(...)


Tenha-se igualmente em conta que para além de extensa admoestação ao mais jovem cardeal de sempre, Lourenço também acolheu e tratou com elevado respeito e afecto os grandes artistas cuja estatura, fruto da inovação em implosão eclosiva de que Maquiavel falaria no seu Príncipe, ainda hoje é paradigmática e exemplar.


Leonardo da Vinci nasce em 1452, em Vinci, República de Florença. Pintor, escultor, arquitecto, engenheiro, inventor, representa mais que nenhum outro o exemplo do humanismo renascentista. Em 1475 nasce em Caprese, República de Florença, Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni, pintor, escultor, poeta, iniciou-se aos 12 anos como aprendiz no atelier de Domenico Ghirlandaio, mudando pouco depois para a escultura, atraíndo a atenção de Lourenço de Médici que o apoia. Aos 23 anos completa uma das mais belas esculturas de sempre: La Pietá. Já depois da morte de Lourenço, perda enorme para Florença e para o Mundo, Miguel Ângelo, após 3 anos de trabalho completa David, e em 1504, a obra medindo mais de 4 metros, é colocada muito perto do Palazzo Vecchio.


A par destes gigantes, Ticiano nasce em Veneza, em 1485, tornando-se o expoente máximo da Escola de Veneza. Rafael, por sua vez, nasce em Urbino, em 1483.


Florença, dos florentinos, permanece hoje, tão idêntica àquela que deu à luz Lourenço, Leonardo, Miguel Ângelo. La Ponte Vecchia, a Piazza del Duomo, o Baptistério de S. João, e toda a estrutura e malha urbanas mantêm-se. Felizmente.


Sendo esta escrita pretensão de crónica, não será pois documento de história, o que não a torna impeditiva de sobre esta breve visitação procer a modesta reflexão.


Tendo o privilégio de conhecer Florença não foi difícil concluír de que o homem é fruto da circunstância, circunstância que foi politicamente República, analogia que se impõe para a Memória da I República Democrática do Extremo Oriente.


IMPÉRIO AUSENTE

A coerência total, a circunstância de ter sido um dos principais berços do Quattrocento, a arquitectura, a escultura, a pintura feita pelos seus cidadãos constituem assim um reforço da identidade e coerência, que torna o florentino orgulhoso.


Não foi no entanto o Renascimento senão um movimento no Ocidente, importantissimo, mas restrito a Ocidente.


Seria utópico para Macau, esperar que a Cidade se mantivesse como foi. Na ausência portuguesa, finda a negociata com o Japão, houveram os macaenses que se desenvencilhar por si mesmos. No Império, Macau, que já não fornecia a prata apetecida, tornou-se abandonado prato de restos.


Neste desolado abandono, esquecimento e ignorância, foi Macau atravessando os séculos.


ANDANTE NON CANTABILE

Que Macau não faça parte do quotidiano colectivo português é um facto. Que tal signifique uma postura redutora do proclamado humanismo português, também parece ser incontestável.


Estando geograficamente na China, é assombroso como, apesar da ausência já referida, se tenham mantido laços e tradições, língua e costumes, numa postura Pretoriana de que antes a morte que a rendição.


Têm estas breves linhas que ver com a identidade e a representação iconográfica de Macau, que se não assinala, porquanto a obra de arte nasce reflectindo sobre a espiritualidade do Lugar, pelos seus artistas, pelos seus criativos — à semelhança de Florença, que não vem por acaso — que, maus ou bons, edificaram no passado Macau. Veja-se o edifício dos Serviços de Saúde, o Bela-Vista, o Palácio do Barão do Cercal, hoje Palácio do Governo, o Bairro de S. Lázaro, o Lilau. É que, enquanto macaense e cidadão, já me refugiei há muito, como possivelmente tantos outros meus conterrâneos, no Conceito Espiritual de Macau, indestrutível, inacessível a quem não tenha Memória, porque também dela é feito, e se guarda em espaço inacessível.


É que, pallissianamente falando, o que distingue Macau da sua geografia, é existirem portugueses asiáticos, que, de per si, justificariam a Declaração Conjunta.


Daí que alguns legados a deixar não comportem nem o valor temporal nem o da relação entre Cidade e Cidadãos, antes lhes é extrínseco, enxertado, e como nos diz a lição Renascentista, não incorporam a necessária legitimidade original que transformam David num produto florentino e mundial e a figura de Moisés do Mausoléu de Leão X, em obras Monumentais, porque, entre outras coisas, não é a escala que importa. É a capacidade de permanecerem. 

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