QUANDO UM HOMEM QUISER

Nascendo o sol a Oriente, 8 horas antes do Ocidente Extremo, uns acordando outros adormecendo, não interferem – nem o dia nem a noite – na predação que o homem faz de si mesmo, incapaz de ler no destino da sua, a vida dos que trucida em nome não importa de quê, mesmo que inominável.

E se este não importa de quê não justifica a morte de ninguém, muito menos o fratricídio, etnocídio ou genocídio, nem tão pouco justifica a plausibilidade do irrazoável, mera aberração da ilusão dos poderes e do ouro que se colhe, menos corruptível que a carne.

Não espanta, porém, que se não saiba por onde voga a Verdade, talvez não exista, sucumbida aos maniqueus da inverdade, apenas quimera a que muitos se abraçam na esperança de ver a sua versão vingar. Mais fácil é vingar que perdoar, doar a dor poucos a dão, dádiva máxima.

Viola a violência o espaço do Outro, por grosseiros ou suaves contornos bífidos, como quem não quer, e se limita a cumprir abnegadamente o nacional desígnio.

Tem, por isso, a não-violência, muitas formas nenhuma melhor, nenhuma pior, todas conducentes ao mesmo fim. O da superiorização do homem face à predação do que pode, qualquer que seja o poder, como quer que, inferior, se manifeste. Superiorização assente naquilo que cada um constrói desinteressadamente, pelo mero fito de justificar a sua existência, de lhe dar, consentido, um sentido. Como Ghandi e King.

Deixemos celebrar Saramago, ou celebremo-lo tranquilamente, porque uma língua celebra-se construíndo-a, reinventando-a diariamente, cada um de nós usando-a, pensando-a, que língua é apenas Pensamento traduzido.

Entre o Vazio e o Absoluto nada distingue um do outro, apenas faces de um mesmo conceito, Budistas ou Existencialistas, Taoístas ou Cristãos, Hindús ou Muçulmanos, todos iguais à face do rosto invisível que, pela sua dimensão não existe. Não é na raíz que se vê a copa, que seria da copa se não fosse a raíz, que seria desta se não fossem frondosas as folhas. E no entremeio desta pendularidade talvez se vislumbre algo que os homens chamam de Esperança, quando souberem que o desejo, qualquer, é causa de sofrimento, próprio e alheio. Quando se perceber que a supressão do desejo é acto individual, intransmissível, e a ideia do respeito pelo Outro se confirmar na utópica mudança, finir-se-á a Esperança por desnecessária, e o sonho de uma Humanidade se terá cumprido porque, entre Utopia e Topia vai o passo singelo da vontade e a solidariedade entre os que têm não tendo e os que não têm, tendo. Lucubrações que, infelizmente não ecoam em Macau, onde as portas estão escancaradamente fechadas, quase todas, vá-se lá saber porquê. Sabe-se mas não se diz, haja pudor.


DE BACO AO FOGUETÓRIO

Entretanto, como se nada do que se disse fosse, vai-se assistindo a festivais do que não há, a celebrações de gostos pessoais decretadas pela insensatez da vontade de uns, e do foguetório que segue pela vontade dos mesmos, sempre os mesmos, a tresandar a pescada regurgitada em retóricas paternais, pretensas de convicção – pudera – por Baco e seus desdobramentos. Sobretudo quando se fala da uva que por aqui medra, necessária é a reverência aos autores da ideia, um a um anunciados. Fica bem, não ofende, e sempre é polimento onde o elogio se revê.

Vai assim o andar da carruagem, a trote distraído, de celebração em inauguração, cantando e rindo ante a estupefacção insólita, porquanto não seria de, pelo hábito, constituír surpresa. Adinate, como diria amiga minha.

Entre a crosta e o núcleo vai a distância do conhecimento, e nada pior que a ilusão das aparências promovidas como obra própria, amontoado de asneiras a começar numa ponta e a dar o nó.

Ninguém conhece o conteúdo do Culto Central, mas já são desfiles a mais para observar tanta inverosimilhança, do cliente ao fazedor, é tudo chumaço, e como se não bastasse, marca-se uma data e está feito. Olhe-se para a roupagem, jamais para o significado, que tudo é para a fotografia.

Houvesse pela estação silenciada, alguma vivacidade, e de cima a coragem de uma ordem, e talvez assistissemos a uns debates interessantes, entre os ordenantes e os pouco obedientes, sobre o fundamento de tudo. Debate nunca haverá, porque o fundamento não existe. Conclui-se por esta via a eleição da fotografia legendada como o elogio máximo a que por aqui se aspira, além dos noticiários inevitáveis. Evidente é que se desconhece que a notícia, para o ser, requer mais conteúdo que aparência. Mas pouco importa, o importante é falar, não é dizer. Afinal quem paga somos nós. Que importa?


CANTO DE CISNE

Adensa-se o cinzentismo. Sobre o rio paira uma névoa, poalha de amáveis atrocidades à inteligência, cada vez mais visíveis, cada vez mais esfumadas.

Já se desenha ao longe, correm os dias lestos, o contorno do cisne, anuncia-se o seu canto inconvincente, vogou o cisne contemplando-se em vez de contemplar, e de festa em aparência, esqueceu-se do essencial, julgando que a trave era de betão e o fuste também, e mesmo que seja, não é abrigo nem será, apenas o reflector do canto que se avizinha, adivinhado antes mesmo do pigarrear, tomara que não houvesse nem canto, nem cisne, nem auto-elogios. Apenas a humildade de ouvir, impossível porém, porque os que não sabem, nem sabem que ignoram.

E neste préstito grosseiro porque ignaro, feito de deferências cada vez mais dissolvidas, se anuncia mais um Natal.

Natal deveriam ser os dias todos, vividos na eleição dos valores elementares da cidadania, do diálogo, da competência. Porque podendo o poder, pena é que se não aplique aqui aquela máxima: Natal é quando um homem quiser.


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