PLURALIDADE SINGULAR

ALFA

Quando Deus arquitectou o Mundo, criou o homem e a mulher, e depois de lhes mandar crescer e multiplicarem-se, nunca terá imaginado que a genética que originou se iria desmultiplicar tanto, quase emulando o Criador.


Como em todo o lado, na Ibéria, Lusitanos, Visigodos e Celtas, Fenícios, Romanos, Francos e Árabes remexeram na genética - então como agora - por amor mais conhecida.


Dessa já incrível mistura nasceria uma raça de todas aquelas feita, que resolveu, por via oceânica, disseminar amor e fé, de entremeio com o comércio, mal sabendo que estava a fazer outra transacção, a da pluralização de genes com outros então ainda longínquos, como os de África, os das Índias, da Malásia e, por fim, assentando arraiais numa praia - ia o século XVI pela sua metade – que originaria a Feitoria tornada Entreposto, base para o comércio com Cantão e o Japão, que se iria nomear Macau.


E aqui nasceu o macaense, que cedo aprendeu a governar-se sozinho, de forma hábil, não tivesse Platão vindo na bagagem, criando a Primeira República Democrática do Extremo-Oriente e constituíndo-se em novos desdobramentos do conselho de Deus, seguido até à inverosimilhança.


Contudo, tendo sido os macaenses que - com a intuição, o sentido político e histórico que sempre os caracterizou – souberam constituír o Senado, o seu sentido da história e do devir não se esgotou aí.


Muito pelo contrário, a existência de Macau ao longo dos séculos enquanto lugar de permuta e conjugação de culturas não se ficou a dever senão à diferença que os macaenses constituíram na mediação política com a China Imperial, e posteriormente com a China Republicana, além de serem diferentemente iguais, como portugueses asiáticos, algo de verdadeiramente engrandecedor para a Pátria que, como sempre, vai teimando em desconhecer as essências e subtilezas dos seus desdobramentos culturais, como, por outras palavras, dizia Frei Bartolomeu de Gusmão.


Ser-se macaense é uma subtileza de difícil apreensão, sobretudo quando o juízo é superficial. Conjugadores natos, mediadores por excelência, a eles e ao seu sentido patriótico se deve a manutenção desde sempre da chamada presença portuguesa, porque a outra, a de importação, chamou-se ausência, que se não redime no fado, nem no folclore, ou mesmo num copo de tinto, porque a apreensão de qualquer cultura requer um cenário. E boa parte de Macau constituiu sempre o cenário da cultura luso-macaense.


Portanto, Portugal revê-se em Macau pela via Macaense, e na sua hospitalidade e tolerância. E é quanto basta, porque é já muito. Importa apenas que se esteja atento.


BETA

A comunidade macaense sempre soube definir os seus destinos sem precisar de tutelas outras, evoluíndo com as circunstâncias. E se hoje pendem sobre ela importantes questões relativas ao seu destino e à sua nacionalidade, além de preconceitos confundidos com conceitos, houve sempre em todos os momentos, grupos de homens que se ergueram e, pela via mais adequada, souberam encontrar para cada momento a solução que caracteriza o macaense como um homem político, porque negociador hábil.


Foi assim no passado remoto e recente, não se nomeando nomes para que se não peque por omissão, porque também muitos outros, no anonimato da obscuridade, deram o seu contributo inestimável.


No momento actual há naturalmente um perfil que emerge, de onde importa relevar que é preciso compreender que os valores em jogo são tão radicalmente importantes que alguns terão de entender que não é seu o momento, e terem a inteligência e visão de saberem ceder a sua vontade de protagonismo, esperando a sua vez, e unirem-se perante o mais vocacionado, fazendo o pleno necessário nos momentos críticos. Assim o exige o sentido da história e a sabedoria que deve ser apanágio dos que querem liderar.


É que a afirmação de uma posição e de uma vontade de permanecer português não constitui, de nenhum modo, uma afronta à China. É tão só a afirmação individualmente colectiva da uma identidade própria que vem assim consubstanciar o que já acima se escreveu sobre a diferença. Porque os macaenses, na sua semelhança agregadora, são um grupo tão singularmente plural que o não reconhecimento de cada uma das identidades pessoais e daquela que a todos é comum, constitui uma expressão necessariamente redutora por parte das vontades que requerem o seu nivelamento, ou mesmo esvaziamento.


Grande é o país que sabe aceitar e reconhecer a diferença, porque é nesta que se procede à real semelhança, ao encontro do que há de comum, e à conjugação do que é diferente, além de constituír em si um enriquecimento sócio-cultural a não desdenhar.


Daí que seja particularmente gravoso, redutor, e revelador, quando se rejeita, no hemiciclo - em plena discussão das linhas de acção governativa - a consagração da chamada autonomia cultural e a singularidade de Macau. Porque ao rejeitar-se uma circunstância de quatro séculos, acaba-se por contradizer a cadeira em que muitos se sentam no hemiciclo. Isto é, rejeita-se a diferença que faz dos homens humanos, confundindo preconceito com conceito e vice-versa, onde a fundamentação não é nenhuma, tanto mais que tal posição, para ser consequente, requereria antecedentes, posturas idênticas anteriores.


Parece que em tempo de mudar de roupagem, haja quem tenha optado por desconhecer que a história mesmo apagada, não muda. Dir-se-á o mesmo quando se protesta contra os manuais adulterados da história recente do Japão. Talvez assim seja mais perceptível. E haverá sem dúvida ditados suficientes para sinonimizar aquele outro que recomenda não faças aos outros…


É que a autoridade distingue-se do poder numa coisa fundamental. Tem como suporte a moral.


GAMA

Na natural evolução histórica das lideranças macaenses, emerge naturalmente outro líder, porque, dizem a história e a experiência, que lidera quem pode e não quem quer.


Daí que esteja escrito, contando a palavra do crucificado - qualquer que seja o nome que lhe dêem, o qual terá dito mais apropriadamente: sempre que vos reunirdes por uma causa justa, estarei no meio de vós - tenha partilhado do jantar de mais de setecentos macaenses, naturais e adoptados, plurais de um mesmo singular destino que querem escolher, significando muito provavelmente que, além do pretexto da comida, não se faz rogado em vir para o meio dos muitos que apenas querem o que é seu. Adivinho que preferirá, ao ter criado o homem, e sobretudo assistido à sua aventura genética, que este tome antes o seu destino nas próprias mãos do que lho entregarem nas suas, à falta de melhor solução.


Haja pois nesta fase histórica, a emergência da unidade fraterna.

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